Legislação e escolas bilíngues no Brasil

balancingRecebemos dois comentários aqui no blog, no post anterior, com dúvidas sobre os aspectos legais que regem as escolas bilíngues no país. Como esta dúvida deve ser comum a muitos leitores e leitoras do blog, vamos respondê-la aqui:

A LDB (Lei de Diretizes e Bases da Educação) reconhece a existência de um modelo de educação bilíngue, a educação intercultural indígena. Lembremos que essa é uma conquista importante dos povos originais de nosso país, e uma reparação pela violência linguística que sofreram por cinco séculos. O Artigo 78 das Disposições Gerais afirma:

“O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilingüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:
I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;
II – garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.”.
Lembremos que geralmente a língua materna dos povos indígenas no Brasil é a língua indígena, sendo a língua portuguesa a segunda língua, e seu bilinguismo não é eletivo. Por isso, em seu processo de escolarização a educação bilíngue é uma forma fundamental para garantir seu acesso à cidadania por meio da preservação de sua língua materna e de acesso à língua oficial do país.
No caso das escolas bilíngues particulares o bilinguismo é opcional, e estas escolas são vistas pela legislação como qualquer outra escola do território nacional, estando sujeitas às mesmas regras e obrigações.
Destaco abaixo dois trechos da LDB que afirmam que a educação deve se dar em língua portuguesa, a língua oficial do país, nas escolas de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Observe-se que a exceção às comunidades indígenas e a menção ao ensino de língua estrangeira no Ensino Médio.

“Seção III: Do Ensino Fundamental

Art 32, parágrafo 3º

O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

 Seção IV: Do Ensino Médio 

Art. 36º. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:

I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;

II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;

III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição.”

Endendemos que a LDB preconiza a obrigatoriedade do ensino em língua portuguesa no território nacional, à exceção dos povos indígenas. Por isso, na prática, as escolas bilíngues atualmente existentes no país devem seguir essas regulamentações:  oferecem 200 dias letivos, aulas dos componentes curriculares obrigatórios em língua portuguesa, em uma carga horária mínima de 4 horas diárias, e se comportam em boa parte como as escolas não bilíngues. Porém, para que possam concretizar seu diferencial, o ensino em segunda  língua, acrescentam um horário complementar e um currículo adicional. A maior parte das escolas oferece cerca de 3 horas diárias a mais em seu período letivo, e procuram equilibrar o tempo de exposição à segunda língua com o tempo regulamentar no currículo brasileiro.
Algumas diretorias de ensino, nas inspeções realizadas periodicamente nas escolas, vêem este período complementar como um “curso extra”, o que dá a escola bastante liberdade na condução deste curso, e nenhuma cobrança externa a esse respeito.
Algumas escolas organizam curricularmente o período complementar, em que é oferecida a educação bilíngue,  no item “parte diversificada” do currículo, conforme previsto na LDB:
“Art. 26º. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
§ 1º. Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.
§ 2º. O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.
§ 3º. A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente
curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.
§ 4º. O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia.
§ 5º. Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição.
Art. 26º. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
§ 1º. Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.
§ 2º. O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cu
ltural dos alunos.

§ 3º. A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente
curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.
§ 4º. O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia.
§ 5º. Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição.”.
Concluindo, fica evidente que para que seja feita uma educação bilíngue séria, verdadeira e de qualidade, é fundamental o respeito às leis brasileiras, o oferecimento de um currículo normal, brasileiro, enriquecido pela oferta de um currículo que a ele se acrescente, de forma integrada. Para isso, a carga horária expandida é condição essencial.

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13 thoughts on “Legislação e escolas bilíngues no Brasil

  1. ALINE BARBOSA says:

    Olá Selma, gostaria de saber por que não tem normas regulamentadas para o Ensino da Educação Bilingue em São Paulo, pelo que eu li, tem somente para os estados do Rio de Janeiro e Santa Catariana. Obrigada

  2. Geferson Mainardi says:

    Olá. Moro em uma comunidade de colonização alemã, onde possui um excelente colégio particular. Meu filho mais velho está entrando no terceiro ano e minha filha no G4. Agora apresentaram a ideia de implantar o sistema bilíngue, para tanto, removeram a disciplina de inglês da grade e reduziram as aulas de matemática além de cogitarem ministrar em alemão disciplinas de história e geografia. Contudo, apenas uma parcela dos alunos é fluente, e no caso de minha família não falamos alemão. é possível uma escola implantar tal metodologia?

    • Selma Moura says:

      Olá Geferson, tudo bem?
      Há inúmeros benefícios cientificamente comprovados da educação bilíngue para todos, principalmente para crianças. São ganhos cognitivos, sociais e culturais que apóiam o aprendizado nas outras áreas do currículo e preparam para o futuro nesse mundo globalizado. Em se tratando de uma comunidade de colonização alemã há ainda o fortalecimento da identidade cultural de cada aluno e da comunidade como um todo. Isso posto, acredito que é um ganho muito grande para seus filhos e os demais alunos poder passar por essa experiência.
      Pelo que você diz parece que a escola vai investir no aprendizado de alemão e português na educação infantil e nos anos iniciais e provavelmente esperará essas línguas estarem bem consolidadas para inserir o inglês como terceira língua. Essa é a escolha mais recomendável, dando a seus filhos a oportunidade de tornarem-se bem fluentes nas duas primeiras e receberem desafios progressivos conforme se desenvolvem. Não se preocupe se uma parte dos alunos já fala as duas línguas e outra não. Além de aprenderem com os professores, o melhor será aprender na interação com os colegas, que ensina ainda melhor, por serem situações espontâneas nas quais as crianças aprendem até sem perceber.
      Quanto à perspectiva da escola, sim é possível (e em se tratando de comunidade de imigração, até recomendável) implantar a educação bilíngue, mas isso deve ser feito com responsabilidade, boa formação dos professores, bom planejamento e bons recursos.
      Espero ter ajudado, mas fico à disposição em caso de outras dúvidas.
      Boa sorte, abraço!

  3. CLÁUDIA MARIA DE M FARIAS FEITOSA says:

    Boa tarde Selma! a escola da minha filha veio com a proposta bilingue para a ed. infantil. alguns pais procuraram a diretoria para incluir tb o ensino fundamental. minha filha fará o terceiro ano, ano q vem, e a proposta é de 1 hora/aula a mais por dia. me pergunto se essa carga é suficiente, se a escola se enquadra no conceito bilingue e como ocorreria o nivelamento, já que ela irá para terceiro ano. Muito obg pela atenção.

  4. EMERSON says:

    Boa tarde, gostaria de saber se uma escola que propicia 45 minutos de aulas de inglês diárias esta pode se considerar bilíngue….GRATO DE SUA RESPOSTA CORDIALMENTE.

    • Selma Moura says:

      Caro Emerson,
      Não, essa escola não pode ser considerada bilíngue pois um dos principais pontos daceducação bilíngue é o tempo de exposição à língua, que deve ser bem superior a 45 minutos diários.
      Abraço,
      Selma

  5. Luciana de Souza Brentano says:

    Oi Selma! Obrigada pelas informações. Eu li também, que além do respeito a LDB, para um curriculo ser considerado bilingue é necessário um minimo de 10 horas na 2a língua, pois muitas escolas estão se “vendendo” bilíngue e incluindo 2 ou 3 horas de inglês semanais, por exemplo, no seu currículo. Como as escolas blingues não possuem leis que as regem, algumas questões estão sendo discutidas, para evitarmos “a farra do boi” em termos de educação curricular bilíngue. Um abraço, Luciana Brentano

    • Selma Moura says:

      Oi Luciana,
      Ótima colocação. Realmente há casos de escolas que se dizem bilíngues por uma questão de marketing, mas na verdade não são. Há um post no blog sobre isso: “O que é uma escola bilíngue”. A carga horária ampliada é um dos principais pré-requisitos para promover a educação bilíngue.
      Abraço,
      Selma

    • Selma Moura says:

      Oi Lia, Feliz 2016 para você também!
      A lei é mais flexível em relação à educação infantil. Não sendo uma etapa obrigatória de escolarização, as escolas têm mais liberdade. Há excelentes escolas bilíngues de educação infantil que adotam modelos diferentes de tempo em cada língua: 50-50 (em que metade do tempo é dedicado a cada língua; 90-10, em que 90% do tempo é dedicado ao ensino na segunda língua e 10% na língua materna, ou até mesmo 100% em segunda língua.
      Abraço,
      Selma

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