Ensinar sobre o Dia do Índio sem estereótipos

Pois é, hoje é o Dia do Índio. E já de manhã dei de cara na internet com bem-intencionadas, porém totalmente inadequadas, atividades de professores de ensino fundamental para “comemorar” a data. Atividades muito parecidas com as que fiz mais de 30 anos atrás quando era aluna de uma escola estadual, e que não me ensinaram nada sobre os índios. Fiquei frustrada. Até quando os professores vão continuar perpetuando preconceitos e estereótipos?

Veja abaixo exemplos do que não fazer com seus alunos hoje (nem nunca):

Exemplo de equívocos no ensino: só esses objetos pertencem ao índio?
Até aquí aparece o preconceito de gênero: o homem sai pra trabalhar e a mulher cuida da casa e dos filhos. Haja visão etnocêntrica!
Além do estereótipo óbvio – a indiazinha chamada Jaci e vestida como se pensa que os índios se vestem – o alfabeto está completamente descontextualizado. O que se pretende ensinar aqui?

E por que não fazer atividades com as mostradas acima? Eis mais algumas razões:

  • Por que não ensinam nada sobre os índios reais, que existem pelo Brasil
  • Por que criam e reforçam preconceitos e estereótipos (do índio seminu vivendo na floresta, feliz inocente e contente, sem problemas e sem influências de outros povos e culturas, congelados no tempo e no espaço)
  • Por que tratam os povos indígenas como se fossem uma coisa só, quando há dezenas de etnias indígenas e uma enorme diversidade entre os chamados genericamente de “índios”.
  • Por que são falsos (indiazinha chamada Jaci? Cocar de penas e palitos?)
  • Porque prejudicam a criatividade da criança: todas devem fazer a mesma atividade, do mesmo jeito, e não têm espaço de pensar, criar ou propor nada.

Então, se isso é ruim, o que fazer com os alunos no Dia do Índio? Algumas ideias legais:

  • Traga uma ou mais notícias sobre o que está acontecendo com os povos indígenas no Brasil para ler e discutir com seus alunos
  • Conte um mito ou lenda indígena, como os presentes nos livros infantis de Daniel Munduruku (aliás, esse autor precisa estar presente em todas as escolas de educação infantil e ensino fundamental, pois seus livros são maravilhosos)

  • Escolha um povo indígena para pesquisar e saber mais sobre suas condições de vida, a área que habitam, seus costumes, seus problemas e sua história. Veja alguns povos indígenas no site do Instituto Socioambiental.
  • Se quiser trabalhar a representação dos povos indígenas na Arte, uma dica é conhecer o trabalho de Élon Brasil (veja seu site, que lindo!), um pintor incrível que representa índios do Xingu (entre outros) com muita sensibilidade. Veja mais aqui.
O livro “Élon Brasil e as nossas raízes encantadas” traz belas imagens para apreciações artísticas, além da história do pintor brasileiro.
Tela de Elon Brasil
Tela de Elon Brasil
  • Se quiser trabalhar com a brincadeira e o lúdico, há um livro maravilhoso chamado “Jogos e Brincadeiras do Povo Kalapalo”, acompanhado por documentário em DVD, disponível na loja do SESC aqui. 
  • E para ensinar a partir da linguagem da Música, uma dica é o trabalho delicado e perfeccionista feito pelo grupo Mawaca no cd e dvd Rupestres Sonoros (conheça aqui).
O grupo Mawaca recolhe e registra músicas de povos indígenas, apresentadas em shows, cds e dvds
O grupo Mawaca recolhe e registra músicas de povos indígenas, apresentadas em shows, cds e dvds
Show "Cantos da Floresta", do grupo Mawaca
O Show “Cantos da Floresta”, do grupo Mawaca abre espaço a povos indígenas apresentarem um pouco de sua cultura

Para se apaixonar – e mostrar aos alunos a beleza da música indígena – veja o vídeo:

Gostou? Então conheça a belíssima canção Cayapo:

Dá para ser criativo, crítico e ensinar de verdade sobre a beleza e a riqueza cultural dos povos indígenas, mas para isso você precisa pesquisar e estudar também. Espero que as dicas acima sejam úteis. E para sua formação sobre culturas e diversidade cultural, recomendo a leitura do textto “Culturas, Culturas e Educação, de Veiga Neto, disponível para download.

Bom trabalho não só no Dia do Índio, mas todos os dias!

Selma

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23 thoughts on “Ensinar sobre o Dia do Índio sem estereótipos

  1. Fabiana Alencar says:

    Usarei esse texto como base para apresentar no colégio que trabalho. É extremamente necessário ter esse tipo de trabalho em sala de aula. Isso, sim, é século XXI.

    Obrigada de verdade por esses exemplos.

  2. Pingback: Dia do índio e a presença das mulheres indígenas nos espaços culturais

  3. Maria Adalgiza Nogueira de Lima says:

    Adorei seu ponto de vista. Vai de acordo com tudo que sempre pensei em passar para os meus pequenos.
    Agradeço pelas dicas e quero parabenizá-la por isso.

  4. Maria de Fátima says:

    Acredito que com o passar dos anos,essa data ” do 19 de abril,” como o dia do indio,como tantas outras vão ter que mudar a forma de como passar para as crianças, pois a modernidade e tanta que as datas culturais estão se perdendo,pois os índios de hoje não caçam mais pra comer, vão ao supermercado comprar comida. Não se.vestem de tangas,vão nas lojas comprar.suas roupas . Festas juninas não pode comemorar com roupas juninas pois ninguém anda vestidas com aquelas roupas espalhafatosas, disse dos pais e dia das mães também não pode comemorar pois a família já não é formada com casal do mesmo gênero. Diante disso tudo acredito que as cobras estão indo pra um caminho que as pessoas estão perdendo sua identidade e suas verdadeiras raízes culturais.

  5. Pingback: Dia nacional do índio e a presença das mulheres indígenas nos espaços culturais

  6. Sidneia Nascimenfo Santos says:

    Agradeco feliz suas.contribuicoes sobre o tema.Ja estava mais do que na hora se falar sobre a verdadeira e real situacao do .indio. Sempre falei do lado nao estereotipado do i dio mas agora falarei com mais conhecimento. Estou felicissima!!!!

  7. Eliana Aparecida Novaes says:

    Iniciei a confecção do boneco Indígina Munduruku, em homenagem ao Daniel e suas narrativas.

    Estou buscando o óleo de Jenipapo e carvão para fazer tatuagem preta, assim como ele ensina no livro Kabá Darebu.

  8. Eliana Aparecida Novaes says:

    Iniciei a confecção do boneco Indígina Munduruku, em homenagem ao Daniel e suas narrativas.

    Estou buscando o óleo de Jenipapo e carvão para fazer tatuagem preta, assim como ele ensina no livro Jabá Darebu.

  9. Gisele says:

    Parabéns! Amei todas as informações, vou compartilhar com minhas colegas de trabalho, pois, infelizmente, têm seus olhos vendados como os professores dos exemplos citados.
    Obrigada por compartilhar essas informações.
    Abraços!

  10. Tata Toz says:

    Primeiramente parabéns pelo seu texto, contém informações muito rica para os professores que estão abertos a repensar sua prática, que infelizmente são poucos, quando vejo textos como esse penso, “graças a Deus mais uma alma salva na educação” rsrs, me desculpe a expressão, mas infelizmente é essa a realdade, ano passado trabalhava com educação infantil e realizei um trabalho com as crianças trabalhando a cultura indígena por meio das lendas e pesquisas, claro que com uma linguagem bem simplificada, mas diante disso construímos um cenário de história onde construímos os personagens das lendas trabalhadas, foi muto rico e prazeroso. Não concordo com o trabalho do índio de forma estereotipada e na verdade não concordo trabalhar com uma calendário pronto com tantas datas comemorativas, isso é subestimar demais nossas crianças.
    Este ano estou trabalhando com o ensino fundamental I e estava pensando o que apresentar sobre os índios para essas crianças que ja chegam na escola com uma definição de índio estereotipado que foi o que aprenderam na educação infantil, durante minhas pesquisas encontrei sua página e me encantei, obrigada pela contribuição!

  11. Carol says:

    Há vários anos venho trabalhando com livros de Daniel Munduruku, lendas, fotografias e outros registros que descrevam a realidade indígena, o que não significa que levar a roupinha para meus alunos desabone minha conduta de respeito aos povos indígenas e da floresta. O que não pode é a criança chegar em casa pintada e não saber por quê. Daqui a pouco não vamos mais ter festa junina pq no nordeste ninguém se veste mais assim, não fala caipirês etc e tal. Se eu não sou capaz de de mostrar essas diferenças para meu aluno, não posso trabalhar um conto de fadas, por exemplo.

  12. Claudine Melo says:

    Muito bacana todas essas dicas, Selma Moura! Com um atraso de 3 anos, acabo de ler no Facebook essa sua excelente contribuição! Quero muito agradece-la, porque é raro uma analise tão pertinente dessa data, ainda com a generosidade em indicar fontes e enriquecer o trabalho dos educadores!!! Além do Daniel Munduruku, como vc bem deve saber, outros tantos e tantos autores indígenas tem nos brindado com seus trabalhos e, certamente, alguns livros desses autores mais reconhecidos estão nas prateleiras das bibliotecas ou salas de leitura públicas, em varias partes do país, mas são ignorados pela maioria da população, começando pela comunidade escolar! Compartilhei com o maior prazer todas as suas dicas! Abraços!

  13. Rosana says:

    Muito bom este texto! Infelizmente falta aprimoramento aos educadores, que perpetuam ideias equivocadas da Escola Tradicional!

  14. Pingback: Vídeo “Cantos da Floresta”, do grupo Mawaca – um recurso precioso para trabalhar no Dia do Índio (e todo dia!) | Educação Bilíngue no Brasil

  15. Ana Lúcia Silva says:

    Ótimo site! Sou professora de Artes e passo para meus alunos a realidade, derrubando esteriótipos. A condição do índio brasileiro e todo seu legado à nossa cultura. Obrigada pelas dicas! Ana Lúcia

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