Quantas línguas tem o Brasil?

Censo terá línguas nativas

Pela primeira vez, idiomas nativos brasileiros serão alvo do levantamento populacional do IBGE

Adriana Natali

Originalmente disponível na Revista Língua Portuguesa, em: http://revistalingua.uol.com.br/textos/52/artigo248778-1.asp
Índios da etnia bororô-boa: primeiros dados de grande amplitude sobre os idiomas nativos brasileiros

O Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística fará, pela primeira vez, o levantamento do número oficial de línguas indígenas faladas no país. O questionário básico, a ser respondido por todo brasileiro, terá 16 perguntas, entre elas questões sobre etnias e idiomas nativos, como os tiruna, guarani, bororô-boe e kuiduro (ver quadro na página ao lado).

O questionário do IBGE acrescentará perguntas como: “Você se considera indígena? Se sim, qual a sua etnia ou povo a que pertence? Fala ou usa língua indígena? Qual (is)? Fala português? Fala outra língua?”O IBGE aceitou a proposta feita pelo Grupo de Trabalho sobre Diversidade Linguística do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão ligado ao Ministério da Cultura, e pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais e Antropologia.

– A ideia inicial era fazer o levantamento de todas as línguas. Mas há uma dificuldade técnica para organizar isso. Então será feito apenas o censo das línguas indígenas – afirma Aryon Rodrigues, professor da Universidade de Brasília que faz parte do grupo de trabalho do Iphan.

Risco
Segundo Aryon, estima-se que sejam faladas 230 línguas no Brasil, além do português. Dessas, 200 são autóctones (indígenas), de vários troncos linguísticos, em sua maioria faladas exclusivamente no território nacional. Outras 30 são alóctones (de descendentes de imigrantes), além de línguas crioulas, práticas linguísticas diferenciadas dos quilombos e duas línguas de sinais.

O novo censo pode ajudar a dar a genuína dimensão de um problema antigo, mantido muito tempo longe da atenção pública.

– O Brasil é um país multilíngue e a sociedade não se dá conta. Algumas etnias têm mais de 20 mil pessoas que falam uma mesma língua. Há um número variável de uma etnia para a outra. É preciso que se resgate isso – afirma Heloísa Pagliaro, socióloga e demógrafa, especialista em demografia indígena da Unifesp.

Segundo Heloísa, 734 mil pessoas se autodeclararam indígenas no Censo 2000, a maior parte delas moradora de áreas urbanas. O censo deste ano pode mostrar uma nova realidade. Estudos mostram que as línguas faladas pelos povos indígenas aqui no Brasil estão ameaçadas de extinção no curto prazo devido ao baixo número de falantes e à baixa transmissão delas às novas gerações. Um total de 23% dos idiomas indígenas brasileiros desaparecerá, no curto prazo, se não forem tomadas medidas urgentes para protegê-las, alerta o norte-americano Dennis Moore, coordenador de Linguística da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi, em relatório do GTDL 2006-2007.


Índios representantes da etnia kuikuro: medidas de preservação do patrimônio cultural brasileiro passam pelo mapeamento linguístico
Levantamento
Em fevereiro passado, a Unesco divulgou o Atlas das Línguas do Mundo em Perigo de Desaparecer 2009. Enquanto o Atlas de 1999 citava 600 línguas e o de 2001, 900, a terceira edição, realizada por 25 pesquisadores sob a coordenação do linguista Christopher Moseley, estima em 2.511 o número de línguas vivas cuja situação é vulnerável, em perigo, em sério perigo, em situação crítica ou já extinta. Um número e tanto, se comparado com o de 6.912 línguas mundiais recenseadas pelo Ethnologue, o índice oficial e única estimativa científica disponível.A concentração de línguas ameaçadas é especialmente forte nas regiões do mundo que apresentam a maior diversidade linguística: Melanésia, África subsaariana e América do Sul. No Brasil, foram classificadas 45 línguas como em risco crítico de extinção. As línguas faladas por pequenos grupos indígenas correm mais riscos, já que o fato de precisarem se manter economicamente os leva até áreas urbanas, onde eles acabam adotando os idiomas existentes nesses locais.

Testes
Agora, o censo do IBGE pode trazer informações vitais para que as autoridades possam agir sobre o problema com maior eficiência. Duas pesquisas pilotos, com as questões sobre idiomas indígenas que servirão de base para o novo censo, foram feitas entre julho e novembro de 2008 e uma outra em setembro de 2009, em Rio Claro (São Paulo), para avaliação dos quesitos propostos.

– O censo experimental é considerado um ensaio geral do censo e o seu andamento, etapas operacionais e resultados estão em processo de análise. Da mesma forma que as provas pilotos, são exclusivamente para estudos internos – explica Nilza de Oliveira Martins Pereira, pesquisadora da Diretoria de Pesquisas do IBGE.

Durante esses testes, na análise das perguntas foi verificado o seu entendimento tanto por parte do recenseador quanto da pessoa que estava sendo entrevistada. Portanto, o caráter das pesquisas pilotos foi qualitativo e não quantitativo, não sendo objeto de divulgação.

– O mapeamento das línguas indígenas fornecerá um diagnóstico da diversidade linguística existente no país. A sua importância será no sentido de propor políticas públicas voltadas ao seu reconhecimento, como também, à sua promoção, preservação e proteção – afirma Nilza.

Como pessoas
Até 1950, não se falava em pluralismo no Brasil e não se valorizava outra língua que não a portuguesa. Naquela década, o censo abordou o item idioma como forma de controlar a entrada de estrangeiros no país por conta da Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945.

– Para nossos historiadores, ter um levantamento tão antigo é um verdadeiro maná. Agora, teremos na próxima década um instrumento fabuloso para comparar e mensurar o peso das enormes transformações que vivemos nas últimas décadas, como urbanização e industrialização, sobre as nossas formas de estruturar o mundo, que são os idiomas. Acho fundamental que possamos resgatar a ideia de que a cultura brasileira é múltipla, diversa, e não polarizada entre negros e brancos, como quer certo tipo de ideologia – diz Nilza.

Segundo Manolo Florentino, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no plano regional, há inúmeros esboços de mapeamentos, sobretudo nas áreas de maior influência dos africanos que desembarcaram como escravos no Nordeste e Sudeste do país, além das zonas meridionais, que conheceram intensa presença de imigrantes europeus a partir da segunda metade do século 19.

– São trabalhos de diletantes, algumas vezes de estudantes de pós-graduação, mas nem por isso menos importantes – diz o professor.

A amplitude e a consistência do Censo 2010 podem colocar as pesquisas sobre o tema em outro patamar. E servir à preservação de culturas inteiras.

– As línguas são como as pessoas: nascem, crescem e morrem. Mais ainda: estruturam o mundo, expressam certas formas de querer e sentir. A preservação do pouco que restou dessa imensa riqueza cultural é fundamental. Para tanto, mapear é o primeiro passo – afirma Florentino.

A operação do IBGE, para a coleta de informações porta a porta, terá início em 1º de agosto.

Questionários traçam perfil completo da população
A definição dos questionários do Censo 2010 resultou de mais de 9 mil consultas a usuários das informações do IBGE – como órgãos de governo, pesquisadores e organizações da iniciativa privada – além de diversos fóruns de discussão.O IBGE criou página na internet para receber sugestões sobre o conteúdo dos dois questionários, mas algumas questões serão aproveitadas em outras pesquisas. Assim, o questionário básico do Censo 2010, a ser aplicado nos domicílios brasileiros, ficou com cerca de 16 perguntas. É ele que trará, em meio a características dos moradores (sexo, idade etc.) e dos domicílios (abastecimento de água, destino do lixo etc.), questões sobre emigração internacional, posse de registro de nascimento, etnia e língua indígena.

Já o questionário da amostra, mais detalhado para ser respondido por uma fração da população, ficou com 80 perguntas. O Censo 2010 será, também, a primeira pesquisa desse porte totalmente informatizada, com entrevistas em computadores de mão equipados com receptores GPS e mapas digitalizados.

O Censo envolverá o trabalho de cerca de 230 mil agentes censitários e ecenseadores. Eles visitarão 58 milhões de domicílios, em 5.565 municípios, naquela que é a fotografia mais nítida da população brasileira.

Senado avalia projeto de preservação
Tramita no Senado projeto de lei do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) que institui o Programa de Preservação de Idiomas Indígenas Brasileiros e a criação de um programa de recuperação e transmissão dessas línguas. O projeto número 9 de 2008, define recuperação (registro dos idiomas em vocabulários específicos e sua codificação em gramáticas), transmissão (divulgação nas regiões em que são falados, por canais de comunicação e sinalização, no serviço público comunitário e no ensino fundamental e médio, como disciplina curricular facultativa). O programa de recuperação e transmissão proposto pelo senador abrange diversas famílias de idiomas que fazem parte do tronco tupi e do tronco macro-jê, além de famílias linguísticas que não estão filiadas a nenhum desses troncos.
Ticuna é a língua falada pelo maior número de índios
A língua ticuna é o idioma mais falado entre os indígenas brasileiros. De acordo com o pesquisador Aryon Rodrigues, da UnB, há 40 mil índios que falam o idioma. A maioria mora ao longo do rio Solimões, no alto Amazonas. É a maior nação indígena do Brasil, sendo também encontrada no Peru e na Colômbia.Os ticunas falam uma língua considerada isolada, que não mantém semelhança com nenhuma outra língua indígena e apresenta complexidades em sua fonologia e em sua sintaxe. Sua característica principal é o uso de diferentes alturas na voz, peculiaridade que a classifica como uma língua tonal.

O uso intensivo da língua não chega a ser ameaçado pela proximidade de cidades ou mesmo pela convivência com falantes de outras línguas no interior da própria área ticuna: nas aldeias, esses outros falantes são minoritários e acabam por se submeter à realidade ticuna, razão pela qual, talvez, não representem uma ameaça linguística.

Para quem quiser saber mais, sugerimos a leitura da Revista Língua, no link: http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11962

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