Quando educação bilíngue é uma necessidade

por Selma Moura, em 20/12/2010

A educação bilíngue optativa, em escolas particulares, é a que mais aparece na mídia e nas buscas na internet. Isso porque as escolas bilíngues particulares cresceram muito nos últimos anos.

Porém, há muitas outras situações em que a educação bilíngue não é uma escolha, mas uma necessidade. Gostaria de refletir com você um pouco sobre essas situaçôes.

1) Crianças imigrantes


Quando os pais decidem mudar para um outro país, geralmente em busca de mais oportunidades ou fugindo de situações adversas, seus filhos não têm escolha senão segui-los a um país em que a língua e os hábitos geralmente são diferentes dos seus. Imagine-se cercado de pessoas que falam uma língua que você não entende, tendo que aprender novos conteúdos nesta língua, e interagir com pessoas com as quais não tem tanto em comum. Tantos desafios! Às vezes grandes demais para se carregar sozinho. Imagine as crianças brasileiras no Japão, que ficaram conhecidas  como dekasseguis. Ou as crianças brasileiras e de outros países latino-americanos nos EUA e na Inglaterra. Ou mesmo as crianças bolivianas no Brasil. Muitas vezes são ignoradas ou desprezadas pela escola, sofrem bullying, e têm sua adaptação e seu desenvolvimento prejudicado. Precisamos acolher estas crianças, dar a elas a oportunidade de aprenderem em sua língua materna e também aprender a língua do país. Para essas crianças, educação bilíngue é fundamental.

2) Crianças indígenas

Por que não falamos em holocausto ou em genocídio quando nos referimos ao massacre sofrido pelos índios por séculos? Se dos 5 milhões de pessoas de origem indígena que povoavam o Brasil em 1500 restam hoje cerca de 250.000? Se das 1.300 línguas apenas 170 não morreram? Apenas recentemente, na constituição de 88, os índios tiveram direito a serem educados em sua língua ao mesmo tempo em que aprendem português, por professores indígenas especialmente formados, respeitando seus valores e suas culturas. Para as crianças indígenas, é importante aprender, manter e desenvolver sua língua, e é necessário aprender português para ter acesso a oportunidades de desenvolvimento. Para essas crianças, a educação bilíngue é um direito.

3) Crianças surdas

A linguagem constitui os sujeitos, dá sentido à nossa compreensão do mundo e permite que nos comuniquemos uns com os outros. Como uma criança surda constrói sua interpretação do mundo? Como diz aos pais o que quer, o que pensa e sente? Como interage e se socializa, faz amigos, aprende? Embora às vezes os leigos pensem que as crianças surdas são necessariamente mudas, isso não é verdade. A criança surda tem a língua de sinais como sua primeira língua, e nela constrói sua interpretação do mundo e se comunica. Consegue aprender tudo, como qualquer outra criança, desde que seu interlocutor compartilhe sua língua. Tem o direito de aprender a ler e a escrever em português também, para ter acesso a um mundo mais amplo. Para ela a educação bilíngue também é imperativa.

Precisamos, pais, professores e cidadãos em geral, refletir sobre nossa visão de língua, superando qualquer possível preconceito contra esses contextos de educação bilíngue, reconhecendo-os como legítimos e justos, e defendendo o direito dessas crianças à educação bilíngue, para que de fato possam aprender.

Precisamos também nos aproximar destes contextos: ler mais, saber mais, querer compreendê-los. Porque muito podemos aprender com eles, e eles conosco, em um diálogo que beneficie a todos, pois diferentes somos todos!

Termino citando Boaventura de Souza Santos:

“Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. As pessoas querem ser iguais, mas querem respeitadas suas diferenças. Ou seja, querem participar, mas querem também que suas diferenças sejam reconhecidas e respeitadas.”

O que você acha? Participe, dê sua opinião nos comentários.

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3 thoughts on “Quando educação bilíngue é uma necessidade

  1. sirlene aparecida aarão says:

    Cara Selma,
    Muito obrigada pela sua atenção. A possibilidade de ser matriculada em uma escola da região não existe… A escola é paupérima em termos de questões de ensino/aprendizagem. A criança sobre a qual estou falando sabe Português e Inglês, fala as duas línguas com total desenvoltura. Logo, logo o problema acontecerá com seu irmão… Ela é dinâmica, extremamente sociável, se relaciona muito bem com TODAS as pessoas, adora todos os tipos de animais (pega sapo na mão, cobra…) Eu a apelidei de “jungle girl”… Os pais dela são donos de uma pousada frequentada APENAS por estrangeiros… Para você ter uma idéia, eu era a única brasileira (em meu próprio país) no Natal. Havia ingleses, americanos, franceses, dinamarqueses, etc. A mãe dela tem formação na área de educação (mestrado, inclusive)… , portanto, entendo plenamente o que ela está sentindo e é por isso que gostaria de ajudá-la. Ela acha que aprender o inglês primeiro é mais fácil, pois as duas línguas concomitantemente podem causar problemas… Aguardo sugestões, OK?

  2. sirlene aparecida aarão says:

    Bom dia. Gostaria de obter informações sobre possibilidades… Uma amiga americana vive em uma comunidade muito distante, aqui no Brasil. Ela é educadora e fundou a primeira escola da região, mas houve muitas divergências entre ela e os professores. Resultado, ela acabou abandonando seu projeto… Hoje ela tem uma filha de 6 anos que tem o que se chama “Home School”, a cada seis meses uma professora americana vem para o Brasil e leciona para a sua filha (que é uma criança maravilhosa, sociável, etc). O problema é: ela precisa ser alfabetizada em Português também. A mãe já está sofrendo só de pensar em como fará com a educação da filha. Por enquanto, tudo é feito via Estados Unidos, onde a Home School é algo comum. O que posso fazer para ajudá-la? Há algum programa a distância? A região tem várias, muitas crianças de nacionalidades distintas (americanos, alemães, ingleses, franceses, etc), mas o inglês é a língua compartlhada por todos.
    Agradeço muitíssimo por qualquer ajuda ou sugestão!

    • Selma Moura says:

      Olá, Sirlene, agradeço sua visita ao blog e seu comentário.
      A situação de crianças imigrantes para as quais o português é segunda língua é mais comum do que se imagina.
      Como no caso desta menina (e da maioria das crianças imigrantes) não há uma escola bilíngue disponível onde ela possa manter e desenvolver a primeira língua enquanto aprende uma segunda língua e desenvolve seu bilinguismo, é preciso que a família tome algumas ações para proporcionar a melhor educação possível para estas crianças. Seguem algumas sugestões:
      1) Matricular a criança em uma escola regular
      A matrícula e a frequência de crianças em idade escolar (a partir de 6 anos) é obrigatória no Brasil, e também é a oportunidade de proporcionar a esta criança o contato com um ambiente coletivo como a escola, onde a socialização, o aprendizado em grupo e a troca de experiências diferem muito do contexto familiar. Sugiro que a matrícula desta criança seja feita o quanto antes.
      Apoio linguístico para permitir a adaptação mais fácil
      Como parece que esta menina não aprendeu português ainda, jpa que passou por home schooling e educação por professores estrangeiros, é preciso que receba aulas de português, preferivelmente por uma profissional com formação em Letras e experiência no ensino de Português como língua estrangeira. Ela precisará desta língua para aprender na escola e para se comunicar com as outras pessoas presentes no país, que não falam inglês.
      Apoio afetivo
      Esta criança tem um considerável desafio pela frente, que poderá vencer com tranquilidade desde que receba apoio e incentivo familiar, acolhimento pela escola, e não seja pressionada para atingir expectativas irreais, geralmente fruto de insegurança dos adultos. Acolher, apoiar, não cobrar e auxiliar na medida de suas necessidades são ações que vão ajudá-la a aprender português, mater o inglês, aprender os conteúdos da escola, alfabetizar-se e ter uma boa formação geral.
      Espero ter podido ajudar. Se desejar continuar este diálogo pelos comentários, estou ao seu dispor.
      Um abraço,
      Selma

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