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A Escritora peruana, Glória Kirinus, fez uma conferência memorável durante o Seminário Potiguar Prazer em Ler – 2007. Vejamos a sinopse da Conferência escrita pela própria Glória:
Por que os cidadãos deste planeta tardam tanto para consultar os poetas? Um pouco vates, os poetas já vaticinaram esperanãs e revoluções; um pouco feiticeiros,, eles já descobriram na fórmula alquímica das palavras a quintessência da expressão da alma; um pouco sacerdotes, muitos já religaram a sua voz pessoal com o anseio religioso da fraternidade universal. E, finalmente, um pouco crianças, eles já brincaram de faz de conta fazendo arte num poema, num conto, em qualquer con-texto. Equilibrando lucidez e distração, prepararam sonoridades, imagens e significados no pequeno cosmos do recém-criado.
Não é falta de aviso, nem falta de sinal de alerta, nem muito menos, aprofundados estudos teóricos de parte de filósofos, psicólogos e pensadores de toda ordem, insistindo na relação íntima que existe entre o conhecimento, a leitura de mundo e a poesia. E também entre o brincar e criar. Nesse sentido, nada melhor que a leitura de poesia e de literatura, em geral, para compreender um pouco da percepção de mundo do poeta: “Quando alguém diz que sabe alguma coisa? fico perplexa? ou estará enganado ou é um farsante/ ou somente eu ignoro e me ignoro desta maneira? [1] Cecília Meireles em poucos versos lança um convite para nossa reflexão em torno desse não-saber-sabendo.
Deve ser por causa desse não-saber-sabendo que a linguagem dos poetas é a linguagem da possibilidade, do talvez, do certamente, do quem sabe… Como insistir na percepção da educação conservadora dos silogismos fixos, determinantes, acabados, na presença do poeta? Como abusar da frase judicativa nos lindes do certo ou do errado se o planeta terra, na percepção poética, no meio de um verso, pode inverter seus movimentos de translação e rotação?
É que no secreto pensamento do poeta sempre há uma espera de milagres: sua vitamina essencial.
Nesse exercício de ad-mirar o mundo, o poeta resguarda a criança que vive nele. Aquela criança ingênua e irreverente que no meio da multidão grita: o rei está nu. Ingenuidade ou verdade? Este meio termo, entre uma e outra palavra, é outro atributo caro ao poeta e/ou sábio. De tão verdadeiro parece ingênuo, de tão ingênuo parece verdadeiro.
Faz parte da ingenuidade abrigar uma unidade entre o pensar e o dizer, entre a moral e a ação. Somente assim é possível repetir, como a criança do conto, que o rei está nu. Então dizer a verdade é sinônimo de burrice? E os outros? Os que fingiam ver o rei vestido, para encobrir suposta burrice, seriam sábios?
Encontrei apoio, diante destas indaçãções, nas leituras de Schiller [2] . A relação que procurava – Gênio, ingênuo e pureza mora – estava aí: Todo verdadeiro gênio tem de ser ingênuo, ou não é gênio. Apenas sua ingenuidade o torna gênio, e ele não pode negar no plano moral aquilo que é no plano moral e estético .[3] O poeta na sua expressão de genialidade ingênua faz poesia e, ao mesmo tempo que é surpreendido, surpreende as próprias palavras com seu ponto de vista inusitado.
É na esfera da poesia, arte por excelência, que a genialidade se consolida. É assim que Schiller julga o poeta ingênuo, considerando e concordando com Kant e ainda com Novalis de que a expressão criativa do gênio tem o seu verdadeiro sentido na poesia.
Também Alfredo Bosi destaca este aspecto do poeta, relevando que:
o novo depende de uma ingenuidade radical do olhar e do sentir que atenta para a coisa e a diz como se a fizesse pela primeira vez. Ingenuidade que lhe atribuiu Schiller no extraordinário A poesia ingênua e sentimental. Só o poera ingênuo é gênio e enquanto gênio, capaz de criar novos procedimentos de expressão. [4]
Pouco comprometidos com valores materiais, os poetas e/ou sábios são mais livres e mais ousados em mobilizar o status quo da linguagem e da realidade. Muitos deles são andarilhos do mundo e insaciáveis pesquisadores de geografias alheias. Eles gostam de mergulhar nos mistérios da vida, nos segredos da natureza, na complexidade humana e na mina dos livros. Tanto Cecília Meireles como Gabriela Mistral e Rabindranath Tagore, todos poetas educadores, são bons exemplos dessa liberdade na linguagem e na vida e ao mesmo tempo numa preocupação com a Educação. De uma ou de outra maneira eles se definem amigos dos ventos, das águas e sentem a necessidade de invadir a sala de aula dessa felicidade, tão próxima do jogo, que a criação poética permite e propicia.
A relação que existe entre poeta e criança é diferente da relação que normalente existe entre professor e aprendiz. Poeta e criança participam de uma comunhão lírica, de uma curiosidade desmedida sobre todos os temas do mundo e, principalmente, de uma afinidade com o jogo, com o imaginário. O professor poderá aprender com a poesia e com o poeta a desaprender seu excesso de dogmas e certezas para colocar-se em relação de descoberta diante do mundo com suas lições de infinito.
Bibliografia Consultada
BOSI, Alfredo. (org) Leitura de Poesia. SP: Ática, 1996
MEIRELES, Cecília. Poesia Completa. Volume único. RJ: Nova Aguilar, 1993
MISTRAL, Gabriela. Magistério y Niño. Santiago de Chile: Andrés Bello, 1979
SCHILLER, Poesia Ingênua e sentimental. SP: Iluminuras, 1991
TAGORE. Rabindranath. A Religião do Homem. SP: Moderna, 1982
[1] MEIRELES, Cecília. Poesia Completa. Volume único.RJ: Nova Aguilar.1993
[2] SCHILLER. Poesia Ingênua e sentimental. São Paulo: Iluminuras, 1991.
[3] op/citare p. 52
[4] BOSI, Alfredo. Org. Leitura de poesia. SP: Ática p.30.1996.